Eu chegava na clínica onde iria fazer fisioterapia para um problema de tendinite que tenho no braço. Peguei o ônibus, desci na parada indicada e encontrei o endereço, munida da requisição do meu médico e da carteirinha do plano de saúde. Uma fila enorme do lado de fora. Nossa, a consulta com o fisioterapeuta iria demorar! A fila saía pela porta do local e ocupava quase meia quadra. Mulheres, crianças, homens novos e idosos aguardavam. Alguns de pé, outros sentados no chão, no degrau da calçada, conversando e tentando se distrair para passar o tempo.
Estacionado em frente à clinica, um micro-ônibus com a inscrição “Secretaria Municipal da Saúde de Nova Bréscia”. O problema da saúde pública nesse país veio à tona em minha mente. Porto Alegre não tem estrutura suficiente para atender sequer seus pacientes, moradores da cidade, e precisa receber a população do interior do Estado, cujas prefeituras estão em piores condições. A indignação tomou conta de mim. Os municípios do interior não conseguem dar tratamento aos pacientes e precisam deslocar as pessoas mais de 200 quilômetros até a Capital. E ali eles ficavam: esperando de pé, do lado de fora da clínica que era muito pequena para comportar a todos, sem estrutura alguma, no meio da calçada, naquela fila enorme. Sem dignidade, sem nenhuma consideração, sem ninguém que realmente se importasse com aquela situação.
Entrei para me certificar de que era ali mesmo e para pedir uma estimativa de tempo de espera. O balcão estava cheio. Muitos em volta tentavam fazer perguntas. As pessoas precisavam de uma resposta, de uma expectativa, de uma explicação, atenção, cuidados e, acima de tudo, um tratamento digno, como qualquer ser humano merece.
Na minha frente uma mulher com uma criança no colo pedia informações para a recepcionista, que parecia não ter muita boa vontade e disposição para ajudá-la. Aquela fila gigante parecia ser o cenário rotineiro daquele lugar. Escutei a senhora com a criança responder que sua consulta era pelo SUS e observei que se dirigiu ao fim da fila, do lado de fora da clínica. Pelo menos umas 50 pessoas havia antes dela. Eu seria a 51ª, pensei, percebendo que aquilo iria demorar demais e já cogitando voltar para casa e deixar a fisioterapia para outro dia. Perguntei para a recepcionista sobre a minha consulta. De forma irritadiça ela me apontou ao lado e disse “Pelo convênio é ali naquela porta”.
Segui a instrução e entrei em uma salinha ao lado, onde havia outro balcão, sem ninguém na frente. Uma sala de espera onde umas quatro ou cinco pessoas aguardavam. Uma televisão e ar-condicionado ligado, uma mesa de canto possuía revistas e cafezinho. Mostrei minha carteirinha do convênio, assinei a papeleta e em menos de dez minutos fui atendida. A fisioterapeuta me atendeu por cerca de uma hora. Agendamos as próximas consultas. Eu teria que fazer dez sessões. Todas pelo convênio, é claro, naquele mesmo lugar, passando na frente de todas as pessoas que lá ficariam esperando por horas e horas, entrando na salinha ao lado e sendo atendida rapidamente.
Sai da consulta com um sentimento de culpa. Indignada comigo mesma e com aquela injustiça. Eu tinha um plano de saúde, eu tinha dinheiro para pagar um plano de saúde e, por isso, era atendida. Aquelas tantas pessoas aguardavam do lado de fora, continuavam no mesmo local que estavam antes de eu entrar para a ala dos convênios da clínica. Elas também precisavam de atendimento, tanto quanto eu. Algumas deveriam ter problemas bem mais graves que o meu inclusive. Aquela música “burguesinha, burguesinha, burguesinha...” veio em minha mente. Eu era realmente uma privilegiada. Aquilo não era justo.
Ao lado de fora, a mesma mulher que antes estava na minha frente, esperava com sua filha nos braços chorando. A criança chorava e ela tentava confortá-la. A mulher embalava o bebê nos braços para tentar fazê-lo dormir. Atrás dela, a fila aumentara mais ainda e seguia quase até o final da quadra. As pessoas paradas com olhares tristes, desiludidos e sem esperança. Parecia impossível ser otimista em uma situação como aquela. Percebi que aquelas pessoas não eram tratadas como seres humanos e sim como animais, sem respeito algum. Elas não possuíam uma identidade própria, uma particularidade. Pareciam, todos juntos, uma massa humana de condenados a esperar indefinidamente por atendimento em uma fila gigantesca.
Eu teria que voltar mais dez vezes naquele lugar para fazer as demais sessões de fisioterapia e teria que presenciar aquela injustiça novamente. Eu deveria me dirigir direto à salinha ao lado. Refletia sobre aquilo e não sabia o que fazer, embora quisesse ajudar e mudar aquilo tudo. Na medida em que eu passava na frente de todos que esperavam, estava contribuindo para reforçar aquela discriminação. Nas vezes seguintes, eu chegava lá, era atendida da mesma forma rápida e eficiente. Tomava cafezinho na salinha de espera, enquanto todos os outros estavam lá fora esperando pelo atendimento do SUS. Eu era realmente uma burguesinha!
terça-feira, 9 de junho de 2009
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Um comentário:
Marizinha! Você não é uma burguesinha! Você é uma mulher que repara nos outros e se preocupa com o bem estar de todos! Em outras palavras: você é demais!!!!!!Beijos!!!
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