segunda-feira, 30 de março de 2009

Me tornei uma árvore

Finalmente me tornei uma árvore. Todos passavam pela rua e não me notavam quando eu era apenas uma mudinha, plantada pela prefeitura nesse canteiro. Agora que cresci e me tornei realmente uma Figueira, frondosa, grande, imponente, saudável e toda verdinha, sou um atrativo: as famílias disputam a minha sombra aos finais de semana, trazem cadeiras e sentam com as crianças em frente ao rio. Os filhos correm e brincam por todos os lados neste calçadão, enquanto os pais tomam chimarrão e conversam, aproveitando a minha sombra. Os passarinhos constroem ninhos nos meus galhos, me deixando ainda mais feliz e satisfeita. Eu sou a casa desses animaizinhos, que cantam para me fazer dormir e me despertam todas as manhãs com uma suave melodia.

Sou privilegiada, pois fui plantada em um local de lazer, onde todos os dias de manhã cedo e nos finais de tarde há pessoas caminhando por aqui, desfrutando o arzinho fresco do rio e a sombra que eu e as outras proporcionamos. É muito bom crescer. Foram anos e anos como uma muda, décadas até eu me desenvolver, criar galhos grossos e compridos. Antes, todos passavam reto por mim e me ignoravam, como se eu não existisse e não tivesse serventia alguma. Ninguém percebia que eu estava aqui, que um dia me tornaria uma bela árvore que traria beleza e conforto a todos, além de purificar o ar.

Quando pequena, eu era visitada periodicamente por um técnico da prefeitura responsável pelo controle das Figueiras da cidade. Nós somos árvores centenárias e, por isso, recebíamos mais atenção das autoridades. O técnico olhava se eu tinha terra suficiente e às vezes colocava adubo pra eu crescer melhor. Sinceramente, eu ficava constrangida toda vez que ele chegava para me examinar. Me sentia vigiada, inspecionada, invadida. Ele era frio, não gostava de mim realmente, estava apenas cumprindo tarefas. Para ele, eu era apenas um número de árvore, não era um ser vivo, que precisava de atenção. Eu não precisava de alguém sem sentimentos e amor pelo que faz para cuidar de mim.

Hoje as coisas mudaram incrivelmente. Nos finais de semana há tanto movimento nesse calçadão e a disputa pela minha sombra é tanta que sequer consigo descansar. As crianças até sobem e brincam em cima de mim. Acho que o que faz uma árvore se sentir bem, ficar disposta e cheia de vida é ser amada e querida por aqueles que a cercam.

Ah, se os homens um dia pudessem me escutar... Diria a eles para lembrarem que nós, árvores e plantas, também temos sentimentos, precisamos de carinho e afeto.

3 comentários:

Unknown disse...

Mari, gostei. Achei bem bacana. Uma leitura levinha, gostosa...
Mas posso te pedir pra voltar a ser Mari? Te prefiro humana... Já pensou uma Figueira trabalhando aqui do meu lado? Com quem eu iria conmversar?
analia

Unknown disse...

Meu amor!! Bela inspiração! Você é mesmo um figueira: beleza e austeridade perenes! Parabéns por semear um pouco de graça e sensibilidade analítica na terra arenosa de nosso cotidiano!!! Beijos!!Alexandre

Gabi disse...

Tem mesmo técnicos da prefeitura que cuidam das pequenas figueiras?


hehehe


Adorei o texto, muito criativo, e cheio de significados

gabi