segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Janela da Alma





Semana passada assisti Janela da Alma. Um documentário FANTÁSTICO. O mote do filme são pessoas com problemas de visão, o que elas são capazes de enxergar ou não, como elas vêem o mundo e como percebem as coisas ao seu redor. Sob direção de João Jardim e Walter Carvalho, o documentário não se restringe a uma análise física e simples da visão. Tampouco limita-se a classificar o ser humano como alguém que é ou não capaz de enxergar. A visão é abordada em uma dimensão muito maior. São trazidos depoimentos de 19 pessoas com alguma dificuldade visual, desde a miopia leve até a cegueira total.

Mais do que simplesmente nos permitir enxergar alguma coisa, a visão é tematizada como a forma como somos capazes de perceber o mundo e nos relacionar com ele.

Um dos depoimentos é o do cineasta Wim Wenders que conta que gosta de usar óculos. Ele está acostumado a ver o mundo através das lentes dos óculos. Não gosta de lentes de contato. Prefere o enquadramento dos óculos, pois eles lhe permitem focar, observar as coisas com mais detalhes, com mais precisão, ver tudo mais devagar. Ao retirar os óculos Wenders descreve que não sabe para onde olhar, percebe que seu campo de visão fica amplo demais. Sente-se um tanto perdido por não saber para onde olhar; não tem o enquadramento dos óculos para lhe orientar em que direção olhar, o que observar, a que se ater.

Outro depoimento interessante é o da filha de Arnaldo Godoy, então vereador de Belo Horizonte, que já era cego quando Madalena nasceu. Ele tinha retinose pigmentar, uma doença que pode levar à cegueira ao longo da vida. O pai sempre foi o seu maior orgulho. Ela o levava muitas vezes quando pequena na escola para apresentá-lo aos colegas, para que eles vissem que seu pai, realmente, não enxergava nada e, mesmo assim, tinha uma vida normal. Era um motivo de orgulho para as filhas e para todos.

Um dos trechos mais emocionantes é o de Arnaldo contando que, mesmo tendo ficado cego aos 18 anos, isso nunca foi um empecilho ou algo que atrapalhasse de verdade sua vida. Ele não deixou de andar pela cidade, casar, trabalhar, ter filhos e ser feliz. No início foi difícil assumir e aceitar a cegueira, mas teve de aceitar e aprender a conviver com ela. A alternativa é aceitar e tocar a vida. O que não tem solução, solucionado está, lembrando o velho ditado. Evidentemente não é nada fácil. Foi preciso apoio da família, dos amigos e, principalmente, um bom equilíbrio emocional e psicológico. Um exemplo de superação e perseverança.

Arnaldo aparece no banco de traseiro de um carro indicando para o motorista o caminho a seguir. O motorista, impressionado, pergunta como ele se localiza tão bem na cidade. Ele explica que presta atenção em referências que geralmente as pessoas não atentam como, por exemplo, o tipo de calçamento das ruas, as subidas e descidas, as curvas e retas, os sons da cidade, o barulho dos carros etc.

Mais adiante, o músico Hermeto Pascoal, com um problema sério de visão, diz algo que me marcou muito. Ele conta histórias relacionadas à sua deficiência, relata que enxerga muito pouco com os dois olhos. Mas, para ele, a verdadeira visão não é aquela convencional, que as pessoas estão acostumadas a atribuir aos olhos e ao que eles lhes permitem ver.

A verdadeira visão, segundo Pascoal, é a visão que vem da alma. É a nossa própria percepção do mundo. Ele diz que o olho que mais enxerga é o olho da alma – e aponta para sua testa, como seu terceiro olho. Afirma que é a partir dali que as pessoas enxergam verdadeiramente as coisas que importam em suas vidas.

Para completar – o que me deixou mais tocada ainda -, p músico pede todos os dias que Deus lhe proporcione que, em algum momento de sua vida, fique cego. Para os outros, cego. Para ele, é o que define como “cego aparente”. Busca essa situação para que possa perceber o mundo apenas com os olhos da mente, com os olhos da alma. Estes sim, os verdadeiros olhos do ser humano. Os olhos da alma são aqueles que sentem, que têm sentimentos, que têm sensações intensas.

A visão tradicional leva as pessoas prestarem atenção em coisas desnecessárias, coisas que não lhes agregam nada. A visão faz as pessoas enxergarem apenas as coisas materiais, as coisas ruins, muitas tragédias, tristezas, maldades, violência. Os olhos da alma não enxergam coisas fúteis ou banais, eles enxergam a verdadeira essência das pessoas, as características e qualidades de cada um; enxergam o mundo de uma forma mais verdadeira.

Janela da Alma vale a pena ser assistido por todos; por quem enxerga bem, enxerga mal ou mesmo por quem não enxerga nada (ele não é centrado em ações ou imagens, mas nos depoimentos de pessoas paradas, portanto, podendo ser visto por pessoas cegas).

Um filme que nos leva à reflexão. Que sensibiliza. Que faz “vermos” o mundo de outra forma, sem importar de que maneira possamos enxergar este mundo no dia-a-dia. Uma pessoa com a visão perfeita muitas vezes não é capaz de perceber coisas fantásticas, como as que as pessoas do filme percebem. Um filme para ser lembrado pela vida inteira.


************************

Para quem se interessou pelo filme, abaixo seguem alguns links interessantes relacionados ao tema: Resenha do filme

Resenha

http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/040802critica_janela.htm

Informações técnicas http://www.interfilmes.com/filme_13649_Janela.da.Alma-(Janela.da.Alma).html

Reportagem na Folha de São Paulo http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u25174.shtml

3 comentários:

lu castilhos disse...

Mari! Muito bom o texto. Quero ver o filme :D, fiquei bem curiosa pra ver o filme!!
Beijo grandão pra ti!!
Lu

Anônimo disse...

esse filme é lindo demais. poético e realista na medida certa! wim wenders arrasa no depoimento, me sinto um pouco como ele. :)

beijos

reinaldo disse...

Os olhos são as janelas da alma quando olhamos de fora para dentro.

No momento em que os olhos são olhados, neles vemos bem mais do que olhos.



Na tua crônica “pude ver” que quando queremos realmente ver,

usamos muito mais do que a visão.



Assim, não há pessoas que não enxergam,

(a não ser os piores cegos, aqueles que não querem ver).



Todas as pessoas vêem de alguma forma. E ainda, cada uma vê diferente.

E mais, podemos mudar a forma de ver e o que vemos.

E para tal não usamos os olhos, mas nossa inteligência, sentimentos, vivências...



E, talvez, a maior parte das coisas não vemos.

E outras, que vemos todos os dias, acabamos por deixar de ver.

E se estas coisas forem pessoas que tratamos como coisas,

a coisa fica preta.



Mari, obrigado pela oportunidade de ver dentro da minha janela.