sábado, 9 de maio de 2009

As primeiras eleições da cidade

Ele era o único advogado na pequena cidade de Rincão do Leão. Era uma cidadezinha recém emancipada, antes pertencente à Lomba Grande, mas que graças ao esforço e empenho de alguns políticos e sacanas (ou políticos sacanas mesmo), de olho nos cargos que poderiam ocupar - vereadores, cargos de confiança e assessores - foi rapidamente separada e recebeu sua autonomia, dinheiro público, verbas para investimentos em saúde, educação, saneamento etc, que jamais seriam aplicados no seu devido destino. No Brasil é incrível, mas qualquer lugarejo como aquele se transforma em município. E como toda cidade recém emancipada, Rincão do Leão precisaria de um prefeito. As eleições se aproximavam e ele, que já era velho conhecido por seu poder e influência, sem dúvida iria se candidatar. O pior de tudo é que seria eleito.

Todos os habitantes do local o conheciam por um motivo ou outro - não necessariamente por um bom motivo. Não havia uma pessoa na redondeza que não soubesse quem era Marcelino Castilhos. Era famoso pelas causas duvidosas que defendia e ganhava na Justiça como advogado. Todos sabiam que ele tinha muito dinheiro. Era uma das únicas pessoas com ensino superior na localidade de economia essencialmente rural.

- Você precisa sorrir o tempo todo quando caminhar pelas ruas. Abrace as vovós e segure criancinhas no colo. Diga às mães delas que você fará escolas de primeira linha, com merenda e ótimos professores, posto de saúde com pediatra de plantão 24 horas. Diga isso sorrindo o tempo todo, Marcelino! – instruía Marcovaldo, seu assessor de campanha, que já recebera a promessa de um importante cargo de confiança em seu gabinete quando seu comparsa fosse eleito.

- Eu detesto crianças, Marcovaldo, e você sabe disso! Elas que não comecem a chorar, berrar ou, pior ainda, a fazer xixi e a fralda a vazar em mim! Eu juro que jogo aquelas pestes no chão – retrucava o candidato.

- Então pegue as crianças maiores que você não corre esse risco, não pegue os bebês. As maiorzinhas não choram e não fazem xixi. Mas você precisa fazer um esforço Marcelino, tudo pelas eleições e pela minha graninha. E não vai esquecer daquele por fora que acertamos para assim que você assumir. E se esquecer da minha grana já sabe que eu abro o bico e te ferro.
- Capaz Marcovaldo. Você sabe que pode confiar em mim. Deixa comigo que a tua grana tá na mão!

E as eleições se aproximavam. Marcovaldo era o braço direito de Marcelino na campanha, dizia tudo que ele devia fazer, como se portar, como se vestir, o que dizer, o que não dizer... O político fez promessas fabulosas, convenceu a todos que iria incentivar a agricultura familiar, apoiar as pequenas empresas agrícolas da região, reduzir impostos, colocar escolas de qualidade, dar transporte escolar gratuito, construir um novo hospital, um novo posto de saúde, uma nova creche, uma quadra de esportes e tudo mais que lhe questionassem ele dizia sem hesitar que já estava em seu planos de governo.

Não há dúvidas de que Marcelino foi eleito e hoje dirige arbitrariamente a prefeitura de Rincão do Leão. Distribuiu cargos de confiança a todos os seus cúmplices daquela empreitada. Marcovaldo continua como seu assessor e recebe muito dinheiro. Aquelas foram, contudo, as primeiras eleições do município. Para a próxima, uma nova chapa de oposição já está mobilizada. Trata-se de um movimento formado por quase todos os moradores da cidade. Eles garantem que Marcelino nunca mais será eleito e que seus dias como político estão contados.

(produzido na disciplina de Leitura e Produção de Texto, curso de Letras/ UFRGS, professora Susana de Azeredo)

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