quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Primeiro Dia dos Namorados

Era o nosso primeiro dia dos namorados juntos. Eu trabalhava à noite e, por isso, a nossa comemoração aconteceu de tarde. Escolhemos o parque mais bonito da cidade. O vento era frio naquela terça-feira, 12 de junho, mas sentar em um banco ao sol seria um programa super agradável. Ainda lembro do cheiro úmido das plantas, do sorriso lindo do meu amor, da doçura com que ele segurava a minha mão e fazia carinho nos meus cabelos. Meu coração batia rápido, minhas mãos suavam, minha barriga sentia um friozinho gostoso. O olhar de Alex era o mais especial que eu já recebera em toda minha vida. Olhos verdes, profundos, sinceros, apaixonados e que faziam eu me sentir a mulher mais feliz da humanidade. O olhar penetrava em minha alma e tomava conta de toda minha existência.

Não queria que aquele momento acabasse jamais. O mundo ao nosso redor havia desaparecido. Era um dia de semana à tarde e nós estávamos ali, naquele paraíso da natureza, enquanto as outras pessoas trabalhavam ou cuidavam de suas rotinas. Nós éramos privilegiados, tínhamos a oportunidade de desfrutar daquele maravilhoso dia de sol, de frente para um lago, com árvores e flores de todas as espécies ao redor.

Trocamos presentes e cartões com juras de amor, poesias e declarações. Um arrepio percorreu meu corpo ao ler as palavras que Alex me escrevera. Nunca alguém tinha escrito para mim versos tão bonitos. O cartão tinha o cheirinho do perfume dele. Alex tinha um excelente gosto, tanto para perfume, quanto para presente. Ele me deu um CD do compositor grego Yanni, até então, confesso, desconhecido por mim. Fui sincera e disse a ele que não conhecia o músico, e ele garantiu que eu iria gostar. Dito e feito: música instrumental, canções profundas e vibrantes, que me faziam filosofar sobre a vida e me sentir mais apaixonada. Não podia haver presente mais romântico. Para ele, junto com uma carta, eu dei um livro de poemas de Jorge Luis Borges, autor mais conhecido por seus contos e que eu havia descoberto recentemente também como poeta. Na primeira página deixei uma dedicatória com todo meu amor.

Após a troca de presentes, caminhamos lentamente pelo parque, contornando o lago e brincando com os patinhos que vinham até a beira. Tiramos algumas fotos para que aquele dia ficassa para sempre registrado. Eu tinha um sorriso constante nos lábios e ele também. A atmosfera que nos envolvia era de felicidade, amor, cumplicidade e realização. Não sei precisar quanto tempo havia passado, sei apenas que já tínhamos caminhado bastante e estávamos do outro lado do parque quando, de repente, percebi que não carregávamos nada nas mãos. Os presentes! – gritei em um misto de angústia e aflição por havermos os esquecido no banco em que estávamos sentados. Foi como se retirassem algo de muito valor de mim. Não pelo preço do livro ou do CD, mas principalmente pelo conteúdo dos cartões que havíamos escrito.

Ninguém poderia roubar a carta que eu havia escrito a Alex. Era somente para ele, não dizia respeito a mais ninguém. E o cartão que eu havia recebido! Tenho certeza que jamais seriam reproduzidos da mesma forma, por mais que escrevêssemos novamente. Eles representavam os nossos sentimentos naquele instante da vida. Em uma fração de segundo, antes de tomarmos qualquer atitude, imaginei a nossa história sendo violada por um estranho. Imaginei um intruso lendo os nossos cartões, comentando os versos com outros estranhos, rindo com ironia e deboche de trechos que não gostasse... Uma parte essencial da minha vida estava exposta, sendo totalmente devassada, correndo perigo.

O livro e o CD não eram meros objetos, pois possuíam uma dedicatória única no mundo. Eu poderia comprar dezenas de outros exemplares iguais, mas não teriam o mesmo valor. Nenhum outro livro de Borges viria com aquela dedicatória. Eu sequer possuía um rascunho do que havia escrito. Se o volume tivesse sido realmente perdido ou furtado jamais poderíamos imaginar o caminho que ele seguiria em sua existência. Talvez anos depois eu pudesse me deparar com ele, quando sequer estivesse procurando, em algum sebo, centro cultural ou biblioteca. Eu poderia até empreender uma busca neses locais. O mesmo aconteceria ao meu CD. Talvez pudesse parar em alguma audioteca ou loja de discos usados. Quem sabe o ladrão não os vendesse para algum desses espaços a fim de ganhar algum dinheiro?

Poucos segundos se passaram até que Alex me resgatasse daquele estado de perplexidade e desamparo em que eu me encontrava. Ele agarrou minha mão com firmeza e, instintivamente, começamos a correr com velocidade, atravessando o parque. Aquela parecia uma longa distância a ser percorrida. Não sei precisar, mas talvez fosse algo entre um e dois quilômetros. O parque era grande e nós estávamos exatamente no lado oposto ao banco onde havíamos sentado. Eu não tinha preparo físico para correr, mas subitamente adquiri força e velocidade.

Corremos de mãos dadas, algo que eu nunca tinha feito. Talvez por estar com ele me motivando e pela vontade infinita de não deixar nossa história exposta em um banco do parque é que minhas pernas corriam com uma rapidez imensamente superior ao que eu me julgava capaz. Corremos, corremos, corremos, como duas crianças atrás de seus presentes de Natal. Corremos o máximo que podíamos. Eu já imaginava avistar alguém vasculhando a sacola dos presentes. Olhava inclusive para as mãos dos que passavam para ver se um deles, por acaso, portava o que perdêramos.
Foi de repente que meus olhos avistaram, em cima do mesmo banco em que sentáramos, a nossa sacola! Sim, lá estava ela, com o CD, o livro, a carta dele e o meu cartão, tudo a salvo! Meu coração pode retomar os batimentos normais, em um misto de alívio e conforto. Ninguém mexera, ninguém roubara nada. A nossa história permanecia intacta.

(produzido na disciplina de Leitura e Produção de Texto, curso de Letras/ UFRGS, professora Susana de Azeredo)

Um comentário:

Anônimo disse...

Opa... por aqui tudo continua nos conformes.

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