domingo, 26 de julho de 2009

Atividade importante

Inclusão e Acessibilidade para Deficientes Visuais: Intercâmbio Brasil-França

Dia: 29 de julho de 2009 (quarta-feira), das 13h30min às 17h
Local: Sala 506/ Faculdade de Educação, Campus Central
Inscrições gratuitas no dia e local do evento
Promoção: Programa Incluir e Departamento de Estudos Especializados (DEE)/ Faculdade de Educação (FACED)

Programação:

13:30 às 14:00 – Mesa de Abertura: Boas vindas aos participantes e apresentação do Programa Incluir da UFRGS

14:00 às 15:00 – Palestra: As Condições Educacionais das Pessoas com Deficiência Visual em Porto Alegre, com o professor Adilso Luis Pimentel Corlassoli (Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Porto Alegre – COMDEPA e Secretário Adjunto da Educação Especial da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre)

15:00 às 15:30 – Relatos: Troca de Experiências com os estudantes com deficiência visual franceses

15:30 às 15:45 – Intervalo

15:45 às 16:30 – Exposição: Maquetes Acessíveis a Deficientes Visuais (Tanise Ramos da Associação Sol do Sul de Paris)

16:45 – Encerramento

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Homenagem ao bicentenário de Louis Braille

"Santos Dumont revolucionou a humanidade ao inventar o avião e levar o homem aos céus, dando-lhe asas e o poder de voar. Louis Braille, da mesma forma, foi um revolucionário ao dar ao cego o poder da leitura. Abrir o mundo da cultura e do saber ao deficiente visual é dar a todos o mesmo direito de voar pelos ares do conhecimento".
(Mariana Baierle Soares)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O perfil das pessoas evidenciado nos ônibus de Porto Alegre

Os ônibus públicos de Porto Alegre são um reflexo da sociedade brasileira. Em um coletivo comum, lotado, em horário de grande movimento, no inicio ou fim do dia, vivenciam-se as mais diversas, inusitadas, cômicas e até decepcionantes cenas. Há todo tipo de passageiro, de cobrador, de motorista e, consequentemente, encontra-se sujeitos com todo tipo de humor, caráter, educação, paciência, postura e valores.

Em uma breve viagem em um ônibus lotado, um espaço coletivo e único meio de transporte da maioria da população, as características intrínsecas de cada um sobressaem-se e não conseguem ser disfarçadas. É possível observar o perfil psicológico das pessoas simplesmente pelo comportamento por elas apresentado nos ônibus da cidade. A forma como se portam em um ônibus é uma questão de cidadania, de boa convivência e relacionamento em sociedade. A conduta idônea ou desonesta e a forma de se portar revelam muito sobre o perfil de cada um.

Começando pelos motoristas, existem aqueles do tipo Apressadinhos, que não param quando você está correndo em direção à parada, atrasado, cheio de sacolas, casacos, guarda-chuva, gritando, acenando e implorando: “ônibus, por favor, pelo amor de Deus, espere!”. Geralmente essa situação acontece no dia que você tem algo importante pra fazer e já está super atrasado. O Apresssadinho arranca e deixa você esperando mais 20 minutos até o próximo ônibus. “Filho da puta”, você pensa, mas não há mais nada que possa ser feito. Além disso, o Apressadinho não pode ver uma velhinha subir os degraus da frente para rapidamente (mais rápido do que das outras vezes) arrancar o veículo, fazendo com que a pobre coitada quase caía (ou despenque mesmo, esburrachando-se no chão).

Mas não sejamos injustos. Entre os motoristas, há também o tipo Prestativo. É aquele que espera quando você está do outro lado da rua, tentando atravessar e não para de vir carro. Mesmo assim, ele para e fica te esperando atravessar. Prestativo espera as velhinhas entrarem e sentarem no banco para só depois arrancar. Prestativo te reconhece quando você pega mais de uma vez o mesmo ônibus. Ele te cumprimenta, diz bom dia, pergunta como vai, como se fossem velhos conhecidos. O Prestativo transforma aquele espaço minúsculo, onde você precisa permanecer confinado e amontoado até a hora de descer, em um local mais agradável e tranquilo. Prestativo é um motorista simpático, sorridente, de bem com a vida, que causa inveja e ódio ao Apressadinho.

Passando ao perfil dos cobradores, o mais comum é o Quietão. Esse não incomoda ninguém, faz o seu trabalho. Responde as informações sobre em qual parada as pessoas devem descer, onde fica tal rua, tal ponto de referência. Geralmente Quietão é bem localizado, conhece os bairros por onde circula a linha. Não reclama do troco, não te olha de cara feia se você paga com uma nota de vinte reais a passagem ou até mesmo de cinqüenta. Quietão é o típico cobrador que não incomoda e cumpre com dignidade sua função.

O mais irritante, entre cobradores de ônibus, eu diria, é o Passinho a Frente. Esse tipo repete incessantemente, a cada parada, de forma mecânica e repugnante, a sentença: “Passinho a frente, por favor”, “Passinho a frente, por favor”, às vezes intercalando com “Subindo e passando, por favor”, “Subindo e passando, por favor”. Trata-se de um tipo sério, que não sorri, não conversa com os passageiros sobre qualquer outra coisa a não ser para lhes pedir que passem a roleta e deem mais um passinho a frente.

Chegando, então, ao perfil dos passageiros. Eis o nicho onde há maior variedade de tipos. O estilo Apressadinho, já apresentado entre os motoristas, repete-se entre os passageiros, com algumas peculiaridades. Trata-se do Apressadinho para entrar no ônibus, que já na parada joga-se na frente de todos para entrar primeiro e pegar os melhores lugares. Após entrar, Apressadinho continua com pressa para passar a roleta. Depois que a passa, a pressa é para arremessar-se rumo a algum banco vazio e sentar primeiro, antes que os outros roubem os poucos lugares restantes.

O próximo passageiro é o tipo Educado. Este representa uma espécie mais rara, que precisa ser valorizada toda vez que é encontrada. É rapidamente identificável em qualquer percurso. Educado espera todos entrarem, entra calmamente no ônibus, cumprimenta o cobrador, o motorista, dá assunto para as velhinhas que adoram conversar com ele, cede o lugar aos idosos, mulheres e crianças. Ao esbarrar em alguém, pede desculpas. Pede com licença ao sentar do lado de alguém e na hora de levantar também. É gentil com todos, sorri, não é mal humorado.

É exatamente o contraste do De Mal Com a Vida. Esse, por sua vez, entra no ônibus brabo, com cara de sono, cansado, irritado. De cara amarrada e, muitas vezes, amassada. Não suporta piadinhas, não suporta pessoas conversando alto, ouvindo música, não gosta de receber bom dia, não suporta nada. De Mal Com a Vida são aqueles que não deveriam ter saído da cama. Sua simples presença atrapalha e perturba o ambiente.

Existe ainda o tipo Espertinho. É o estilo malandro, que não quer pagar a passagem. Entra no ônibus e simula que esqueceu o dinheiro em casa. Às vezes inventa uma história de que foi roubado para poder andar de graça. Em determinadas situações, Espertinho tenta tirar vantagem do cobrador na hora de receber o troco ou pagando dinheiro a menos. Espertinho está constantemente em busca de uma brecha onde possa tirar proveito dos outros e conquistar de forma ilícita algum benefício.

O tipo mais pacato dentro de um coletivo hoje em dia, não há como negar, é o Na Dele. Esse, sim, não incomoda ninguém, não se irrita com facilidade, fica quieto, entra no ônibus em silêncio, sai em silêncio. Senta se tiver lugar, se não tiver viaja de pé tranquilamente sem pestanejar. Na Dele é o modelo ideal, o sonho dos motoristas e cobradores, que queriam que todos os passageiros fossem como ele.

Na Dele é tão quietinho que não dá bola sequer para as Típicas Senhoras. São velhinhas que pegam ônibus o tempo todo para ir na maioria das vezes ao Centro comprar condimentos no Mercado Público ou artesanato nas lojas de antiguidades. Elas sentam na frente, não querem passar a roleta. Algumas Típicas Senhoras têm carteirinha e passam para a parte de traz, mas a maioria prefere sentar na frente para puxar assunto com o cobrador e o motorista, que geralmente não estão nem um pouco interessados em escutar as histórias a respeito de todas as gerações de suas famílias que elas adoram contar.

Entre tantos tipos e estilos, nota-se o perfil variado de quem pega ônibus na capital gaúcha. Andam de ônibus desde as pessoas mais humildes, trabalhadores, desempregados, crianças, famílias, jovens, de todas as classes, religiões, bairros, partidos políticos, crenças. Há outros inúmeros tipos que circulam nas linhas de Porto Alegre. Observar a população em um espaço de convivência pequeno como um ônibus público permite perceber, com olhar atento, os traços que diferenciam e assemelham as pessoas. Estar confinado em um ônibus, ou seja, em uma situação desgastante, mesmo que por alguns minutos, é uma maneira de percebermos o caráter do ser humano.

Já que não há alternativa senão enfrentar diariamente a maratona de ônibus na cidade, nada melhor do que aproveitar esses momentos para entendermos um pouquinho sobre psicologia e analisarmos o comportamento das pessoas em sua vida em sociedade.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Atendimento pelo plano de saúde

Eu chegava na clínica onde iria fazer fisioterapia para um problema de tendinite que tenho no braço. Peguei o ônibus, desci na parada indicada e encontrei o endereço, munida da requisição do meu médico e da carteirinha do plano de saúde. Uma fila enorme do lado de fora. Nossa, a consulta com o fisioterapeuta iria demorar! A fila saía pela porta do local e ocupava quase meia quadra. Mulheres, crianças, homens novos e idosos aguardavam. Alguns de pé, outros sentados no chão, no degrau da calçada, conversando e tentando se distrair para passar o tempo.

Estacionado em frente à clinica, um micro-ônibus com a inscrição “Secretaria Municipal da Saúde de Nova Bréscia”. O problema da saúde pública nesse país veio à tona em minha mente. Porto Alegre não tem estrutura suficiente para atender sequer seus pacientes, moradores da cidade, e precisa receber a população do interior do Estado, cujas prefeituras estão em piores condições. A indignação tomou conta de mim. Os municípios do interior não conseguem dar tratamento aos pacientes e precisam deslocar as pessoas mais de 200 quilômetros até a Capital. E ali eles ficavam: esperando de pé, do lado de fora da clínica que era muito pequena para comportar a todos, sem estrutura alguma, no meio da calçada, naquela fila enorme. Sem dignidade, sem nenhuma consideração, sem ninguém que realmente se importasse com aquela situação.

Entrei para me certificar de que era ali mesmo e para pedir uma estimativa de tempo de espera. O balcão estava cheio. Muitos em volta tentavam fazer perguntas. As pessoas precisavam de uma resposta, de uma expectativa, de uma explicação, atenção, cuidados e, acima de tudo, um tratamento digno, como qualquer ser humano merece.

Na minha frente uma mulher com uma criança no colo pedia informações para a recepcionista, que parecia não ter muita boa vontade e disposição para ajudá-la. Aquela fila gigante parecia ser o cenário rotineiro daquele lugar. Escutei a senhora com a criança responder que sua consulta era pelo SUS e observei que se dirigiu ao fim da fila, do lado de fora da clínica. Pelo menos umas 50 pessoas havia antes dela. Eu seria a 51ª, pensei, percebendo que aquilo iria demorar demais e já cogitando voltar para casa e deixar a fisioterapia para outro dia. Perguntei para a recepcionista sobre a minha consulta. De forma irritadiça ela me apontou ao lado e disse “Pelo convênio é ali naquela porta”.

Segui a instrução e entrei em uma salinha ao lado, onde havia outro balcão, sem ninguém na frente. Uma sala de espera onde umas quatro ou cinco pessoas aguardavam. Uma televisão e ar-condicionado ligado, uma mesa de canto possuía revistas e cafezinho. Mostrei minha carteirinha do convênio, assinei a papeleta e em menos de dez minutos fui atendida. A fisioterapeuta me atendeu por cerca de uma hora. Agendamos as próximas consultas. Eu teria que fazer dez sessões. Todas pelo convênio, é claro, naquele mesmo lugar, passando na frente de todas as pessoas que lá ficariam esperando por horas e horas, entrando na salinha ao lado e sendo atendida rapidamente.

Sai da consulta com um sentimento de culpa. Indignada comigo mesma e com aquela injustiça. Eu tinha um plano de saúde, eu tinha dinheiro para pagar um plano de saúde e, por isso, era atendida. Aquelas tantas pessoas aguardavam do lado de fora, continuavam no mesmo local que estavam antes de eu entrar para a ala dos convênios da clínica. Elas também precisavam de atendimento, tanto quanto eu. Algumas deveriam ter problemas bem mais graves que o meu inclusive. Aquela música “burguesinha, burguesinha, burguesinha...” veio em minha mente. Eu era realmente uma privilegiada. Aquilo não era justo.

Ao lado de fora, a mesma mulher que antes estava na minha frente, esperava com sua filha nos braços chorando. A criança chorava e ela tentava confortá-la. A mulher embalava o bebê nos braços para tentar fazê-lo dormir. Atrás dela, a fila aumentara mais ainda e seguia quase até o final da quadra. As pessoas paradas com olhares tristes, desiludidos e sem esperança. Parecia impossível ser otimista em uma situação como aquela. Percebi que aquelas pessoas não eram tratadas como seres humanos e sim como animais, sem respeito algum. Elas não possuíam uma identidade própria, uma particularidade. Pareciam, todos juntos, uma massa humana de condenados a esperar indefinidamente por atendimento em uma fila gigantesca.

Eu teria que voltar mais dez vezes naquele lugar para fazer as demais sessões de fisioterapia e teria que presenciar aquela injustiça novamente. Eu deveria me dirigir direto à salinha ao lado. Refletia sobre aquilo e não sabia o que fazer, embora quisesse ajudar e mudar aquilo tudo. Na medida em que eu passava na frente de todos que esperavam, estava contribuindo para reforçar aquela discriminação. Nas vezes seguintes, eu chegava lá, era atendida da mesma forma rápida e eficiente. Tomava cafezinho na salinha de espera, enquanto todos os outros estavam lá fora esperando pelo atendimento do SUS. Eu era realmente uma burguesinha!

sábado, 30 de maio de 2009

O jeitinho (des)honesto do brasileiro

Proposta: dissertação de tema livre

O “jeitinho brasileiro”, já consagrado no imaginário coletivo, degenera e corrompe o entendimento e a percepção que os brasileiros fazem de si mesmos. A imagem que vendemos de nós, brasileiros, para nós mesmos e para o exterior é a pior possível. O estereótipo de que o brasileiro dá o seu “jeitinho” para resolver as coisas, de que arruma uma forma fácil, ilícita ou pouco idônea para conseguir o que quer, a noção de trapaça e de tirar proveito dos outros, prejudica a nossa identidade e a nossa auto-estima enquanto nação.

Todos os povos e países têm suas características e identidades. Alguns destacam-se pela soberania, outros pelas guerras, outros pela pobreza ou por conflitos ideológicos. O Brasil destaca-se, por sua vez, pela noção de subdesenvolvimento que fazemos de nós mesmos e pelo “jeitinho” trapaceiro que resolvemos nossos problemas.

Ao falar-se em Brasil, a imagem imediata do malandro, do aproveitador e do sacana se sobressai. Trata-se seguramente de uma generalização, é verdade, mas de uma generalização perigosa e precipitada. Na medida em que se propaga essa ideia ressaltam-se nossos aspectos negativos, fragilidades e senões. O escândalo recente das passagens aéreas, por exemplo, em que deputados e senadores valeram-se do “jeitinho” para bancar transporte aéreo de familiares com dinheiro público, corrobora com o negativismo, o pessimismo, a decepção e a vergonha que sentimos ao nos referirmos a nós mesmos.

Não creio, contudo, que o Brasil seja, realmente, o país do “jeitinho”. Esses pilantras não representam a imagem de uma nação inteira, de toda a nossa população. O Brasil não é apenas o país do escândalo das passagens. O problema é que a população não sabe ressaltar os aspectos positivos do país e do cotidiano a ponto de mudar essa imagem consolidada. Supervalorizamos as notícias negativas e ignoramos as positivas. Destacamos aqueles aproveitadores e escondemos a maioria honesta e trabalhadora da população. Não comentamos os fatos louváveis, as atitudes honrosas e admiráveis.

Essa semana, a atitude de um colega de trabalho me chamou atenção positivamente. Ele encontrou uma nota de dez reais no chão e tentava incessantemente encontrar o dono. Sabia que o valor pertenceria a alguma das pessoas que estavam próximas. Sem dar um “jeitinho” e apoderar-se da nota, ele não sossegou enquanto não encontrou o dono.

O Brasil está repleto de atitudes como essa, todos os dias e a todos os momentos - atitudes honestas e que revelam o caráter das pessoas. Deixar que os exemplos negativos sobressaiam-se a ponto de transformar a imagem do Brasil no país da corrupção, da malandragem e do “jeitinho” é fechar os olhos para a nossa realidade, é ignorar os exemplos de lealdade e cidadania que constantemente fazem parte de nossas vidas.

(produzido na disciplina de Leitura e Produução de Texto, curso de Letras/ UFRGS, professora Susana de Azeredo)

sábado, 9 de maio de 2009

As primeiras eleições da cidade

Ele era o único advogado na pequena cidade de Rincão do Leão. Era uma cidadezinha recém emancipada, antes pertencente à Lomba Grande, mas que graças ao esforço e empenho de alguns políticos e sacanas (ou políticos sacanas mesmo), de olho nos cargos que poderiam ocupar - vereadores, cargos de confiança e assessores - foi rapidamente separada e recebeu sua autonomia, dinheiro público, verbas para investimentos em saúde, educação, saneamento etc, que jamais seriam aplicados no seu devido destino. No Brasil é incrível, mas qualquer lugarejo como aquele se transforma em município. E como toda cidade recém emancipada, Rincão do Leão precisaria de um prefeito. As eleições se aproximavam e ele, que já era velho conhecido por seu poder e influência, sem dúvida iria se candidatar. O pior de tudo é que seria eleito.

Todos os habitantes do local o conheciam por um motivo ou outro - não necessariamente por um bom motivo. Não havia uma pessoa na redondeza que não soubesse quem era Marcelino Castilhos. Era famoso pelas causas duvidosas que defendia e ganhava na Justiça como advogado. Todos sabiam que ele tinha muito dinheiro. Era uma das únicas pessoas com ensino superior na localidade de economia essencialmente rural.

- Você precisa sorrir o tempo todo quando caminhar pelas ruas. Abrace as vovós e segure criancinhas no colo. Diga às mães delas que você fará escolas de primeira linha, com merenda e ótimos professores, posto de saúde com pediatra de plantão 24 horas. Diga isso sorrindo o tempo todo, Marcelino! – instruía Marcovaldo, seu assessor de campanha, que já recebera a promessa de um importante cargo de confiança em seu gabinete quando seu comparsa fosse eleito.

- Eu detesto crianças, Marcovaldo, e você sabe disso! Elas que não comecem a chorar, berrar ou, pior ainda, a fazer xixi e a fralda a vazar em mim! Eu juro que jogo aquelas pestes no chão – retrucava o candidato.

- Então pegue as crianças maiores que você não corre esse risco, não pegue os bebês. As maiorzinhas não choram e não fazem xixi. Mas você precisa fazer um esforço Marcelino, tudo pelas eleições e pela minha graninha. E não vai esquecer daquele por fora que acertamos para assim que você assumir. E se esquecer da minha grana já sabe que eu abro o bico e te ferro.
- Capaz Marcovaldo. Você sabe que pode confiar em mim. Deixa comigo que a tua grana tá na mão!

E as eleições se aproximavam. Marcovaldo era o braço direito de Marcelino na campanha, dizia tudo que ele devia fazer, como se portar, como se vestir, o que dizer, o que não dizer... O político fez promessas fabulosas, convenceu a todos que iria incentivar a agricultura familiar, apoiar as pequenas empresas agrícolas da região, reduzir impostos, colocar escolas de qualidade, dar transporte escolar gratuito, construir um novo hospital, um novo posto de saúde, uma nova creche, uma quadra de esportes e tudo mais que lhe questionassem ele dizia sem hesitar que já estava em seu planos de governo.

Não há dúvidas de que Marcelino foi eleito e hoje dirige arbitrariamente a prefeitura de Rincão do Leão. Distribuiu cargos de confiança a todos os seus cúmplices daquela empreitada. Marcovaldo continua como seu assessor e recebe muito dinheiro. Aquelas foram, contudo, as primeiras eleições do município. Para a próxima, uma nova chapa de oposição já está mobilizada. Trata-se de um movimento formado por quase todos os moradores da cidade. Eles garantem que Marcelino nunca mais será eleito e que seus dias como político estão contados.

(produzido na disciplina de Leitura e Produção de Texto, curso de Letras/ UFRGS, professora Susana de Azeredo)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Primeiro Dia dos Namorados

Era o nosso primeiro dia dos namorados juntos. Eu trabalhava à noite e, por isso, a nossa comemoração aconteceu de tarde. Escolhemos o parque mais bonito da cidade. O vento era frio naquela terça-feira, 12 de junho, mas sentar em um banco ao sol seria um programa super agradável. Ainda lembro do cheiro úmido das plantas, do sorriso lindo do meu amor, da doçura com que ele segurava a minha mão e fazia carinho nos meus cabelos. Meu coração batia rápido, minhas mãos suavam, minha barriga sentia um friozinho gostoso. O olhar de Alex era o mais especial que eu já recebera em toda minha vida. Olhos verdes, profundos, sinceros, apaixonados e que faziam eu me sentir a mulher mais feliz da humanidade. O olhar penetrava em minha alma e tomava conta de toda minha existência.

Não queria que aquele momento acabasse jamais. O mundo ao nosso redor havia desaparecido. Era um dia de semana à tarde e nós estávamos ali, naquele paraíso da natureza, enquanto as outras pessoas trabalhavam ou cuidavam de suas rotinas. Nós éramos privilegiados, tínhamos a oportunidade de desfrutar daquele maravilhoso dia de sol, de frente para um lago, com árvores e flores de todas as espécies ao redor.

Trocamos presentes e cartões com juras de amor, poesias e declarações. Um arrepio percorreu meu corpo ao ler as palavras que Alex me escrevera. Nunca alguém tinha escrito para mim versos tão bonitos. O cartão tinha o cheirinho do perfume dele. Alex tinha um excelente gosto, tanto para perfume, quanto para presente. Ele me deu um CD do compositor grego Yanni, até então, confesso, desconhecido por mim. Fui sincera e disse a ele que não conhecia o músico, e ele garantiu que eu iria gostar. Dito e feito: música instrumental, canções profundas e vibrantes, que me faziam filosofar sobre a vida e me sentir mais apaixonada. Não podia haver presente mais romântico. Para ele, junto com uma carta, eu dei um livro de poemas de Jorge Luis Borges, autor mais conhecido por seus contos e que eu havia descoberto recentemente também como poeta. Na primeira página deixei uma dedicatória com todo meu amor.

Após a troca de presentes, caminhamos lentamente pelo parque, contornando o lago e brincando com os patinhos que vinham até a beira. Tiramos algumas fotos para que aquele dia ficassa para sempre registrado. Eu tinha um sorriso constante nos lábios e ele também. A atmosfera que nos envolvia era de felicidade, amor, cumplicidade e realização. Não sei precisar quanto tempo havia passado, sei apenas que já tínhamos caminhado bastante e estávamos do outro lado do parque quando, de repente, percebi que não carregávamos nada nas mãos. Os presentes! – gritei em um misto de angústia e aflição por havermos os esquecido no banco em que estávamos sentados. Foi como se retirassem algo de muito valor de mim. Não pelo preço do livro ou do CD, mas principalmente pelo conteúdo dos cartões que havíamos escrito.

Ninguém poderia roubar a carta que eu havia escrito a Alex. Era somente para ele, não dizia respeito a mais ninguém. E o cartão que eu havia recebido! Tenho certeza que jamais seriam reproduzidos da mesma forma, por mais que escrevêssemos novamente. Eles representavam os nossos sentimentos naquele instante da vida. Em uma fração de segundo, antes de tomarmos qualquer atitude, imaginei a nossa história sendo violada por um estranho. Imaginei um intruso lendo os nossos cartões, comentando os versos com outros estranhos, rindo com ironia e deboche de trechos que não gostasse... Uma parte essencial da minha vida estava exposta, sendo totalmente devassada, correndo perigo.

O livro e o CD não eram meros objetos, pois possuíam uma dedicatória única no mundo. Eu poderia comprar dezenas de outros exemplares iguais, mas não teriam o mesmo valor. Nenhum outro livro de Borges viria com aquela dedicatória. Eu sequer possuía um rascunho do que havia escrito. Se o volume tivesse sido realmente perdido ou furtado jamais poderíamos imaginar o caminho que ele seguiria em sua existência. Talvez anos depois eu pudesse me deparar com ele, quando sequer estivesse procurando, em algum sebo, centro cultural ou biblioteca. Eu poderia até empreender uma busca neses locais. O mesmo aconteceria ao meu CD. Talvez pudesse parar em alguma audioteca ou loja de discos usados. Quem sabe o ladrão não os vendesse para algum desses espaços a fim de ganhar algum dinheiro?

Poucos segundos se passaram até que Alex me resgatasse daquele estado de perplexidade e desamparo em que eu me encontrava. Ele agarrou minha mão com firmeza e, instintivamente, começamos a correr com velocidade, atravessando o parque. Aquela parecia uma longa distância a ser percorrida. Não sei precisar, mas talvez fosse algo entre um e dois quilômetros. O parque era grande e nós estávamos exatamente no lado oposto ao banco onde havíamos sentado. Eu não tinha preparo físico para correr, mas subitamente adquiri força e velocidade.

Corremos de mãos dadas, algo que eu nunca tinha feito. Talvez por estar com ele me motivando e pela vontade infinita de não deixar nossa história exposta em um banco do parque é que minhas pernas corriam com uma rapidez imensamente superior ao que eu me julgava capaz. Corremos, corremos, corremos, como duas crianças atrás de seus presentes de Natal. Corremos o máximo que podíamos. Eu já imaginava avistar alguém vasculhando a sacola dos presentes. Olhava inclusive para as mãos dos que passavam para ver se um deles, por acaso, portava o que perdêramos.
Foi de repente que meus olhos avistaram, em cima do mesmo banco em que sentáramos, a nossa sacola! Sim, lá estava ela, com o CD, o livro, a carta dele e o meu cartão, tudo a salvo! Meu coração pode retomar os batimentos normais, em um misto de alívio e conforto. Ninguém mexera, ninguém roubara nada. A nossa história permanecia intacta.

(produzido na disciplina de Leitura e Produção de Texto, curso de Letras/ UFRGS, professora Susana de Azeredo)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Dica de teatro

Com a promoção do Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da UFRGS, tem início hoje, dia 6, a temporada do espetáculo teatral “Procura-se Uma Comédia”. O espetáculo é constituído de três pequenas histórias, contadas a partir de referências da máscara cômica e do cinema mudo e é resultado do trabalho originado nas disciplinas de Atelier de Criação Cênica II e Atelier de Composição Cênica II. As apresentações, com entrada franca, ocorrerão todas as quartas-feiras do mês de maio, nos horários de 12h30min e 19h30min, na Sala Qorpo Santo, Av.Paulo Gama s/nº, Porto Alegre. Outras

informações através do telefone (51) 3308.4318 ou email:iaeven@ufrgs.br

O melhor trote do mundo

Ela havia sonhado com aquele dia. Era o dia do trote que aplicavam na Ufrgs aos calouros. O ambiente ainda era novo para Letícia, que não conhecia bem a faculdade. Os veteranos haviam preparado uma série de brincadeiras e sacanagens para receber a turma de “bixos” do curso de Arquitetura. Letícia havia colocado uma camiseta velha, tênis e uma calça desgastada, pois sabia que aconteceria o trote. Sabia que sairia de lá com as roupas sujas e cheias de tinta, estava prevenida.

Passaria certamente por situações difíceis, engraçadas e até constrangedoras. A estudante, contudo, esperara por aquele momento e inicialmente até queria passar pela experiência. Era a realização de um sonho – havia estudado e se esforçado muito no vestibular. Uma rotina rígida de estudos durante o ano para estar lá naquele instante. Por isso, estava entusiasmada e feliz em participar daquele que seria, para ela, uma espécie de rito de passagem para a vida adulta – o seu ingresso na vida acadêmica, a caminhada rumo ao seu futuro, rumo à profissão que ela escolhera.

Queria ser arquiteta, construir edifícios, projetar ambientes, decorar casas. Tinha um talento todo especial para tal atividade desde criança, quando brincava de desenhar a planta de sua casa e dos locais em que gostaria de morar. Pintava a parede do próprio quarto, decorava os espaços, surpreendendo aos pais com seu bom gosto e criatividade.

Os veteranos fizeram com que os “bixos” se apresentassem em uma roda e, como de costume em qualquer trote, dissessem o seu “estado civil”, ou seja, queriam saber quem seriam os possíveis alvos de investidas nas próximas festas da faculdade e mesmo durante as aulas. Letícia se apresentou. Disse sua idade, onde morava, que torcia para o Grêmio e o que gostava de fazer.
Faltou falar o estado civil!, gritaram alguns veteranos. Sim, ela intencionalmente não dissera nada sobre isso. Hesitara tocar nesse assunto, pois nem ela mesma saberia definir seu “estado civil”.

Pensava em Felipe, o colega de natação com quem estava saindo e por quem estava totalmente envolvida e apaixonada. Como não tinham assumido oficialmente a relação até aquele dia, respondeu “soleira”. Como faziam com todas as mulheres que respondiam isso, todos os veteranos do sexo masculino bateram palmas e vibraram.

A vez de Letícia passou, o restante da turma se apresentou, mas a resposta “solteira” retumbava em sua mente como um eco pesado, difícil de ser processado. Não estava satisfeita com a resposta. Queria mesmo ter respondido “namorando”, “comprometida” ou “namorando o Felipe”. Era uma mulher romântica e convencional, gostava das coisas a moda antiga. Queria que o garoto a pedisse oficialmente em namoro, perguntasse com todas as letras se ela queria namorar e, de preferência, lhe entregasse um buquê de rosas e um cartão apaixonado no momento do pedido.

Felipe morava também em Cachoeirinha, há algumas quadras de sua casa. Fazia curso de Ciências Aeronáuticas na PUC, sonhava em ser piloto e viajar pelo mundo. Para manter a forma e também como hobby, praticava natação. Foi onde se conheceram e começaram a sair há quase dois meses. Seus olhos verdes profundos e brilhantes encantavam Letícia. Quando não se encontravam, falavam ao telefone. O clima entre eles era de início de um relacionamento, estavam se conhecendo. Seus gostos e preferências combinavam em muitas coisas, cada dia descobriam algo novo no outro. Constantes novidades e entusiasmo pelas duas partes. Ainda não haviam tido, porém, uma conversa que deixasse claro que estavam realmente namorando. Letícia, com sua intuição feminina apurada, achou melhor esperar o momento certo e não tocou no assunto até então para não pressioná-lo, preferia que ele introduzisse o assunto.

O trote continuou e estava então chegando ao fim. A vibração, o entusiasmo com aquele ritual, porém, foi diminuindo na medida em que ela foi ficando mais e mais suja, sentindo suas roupas molhadas e o cabelo pesado de tinta. A vaidade começou a bater forte e ela queria se arrumar, sentir-se limpa novamente. Não estava mais se sentindo confortável. A brincadeira já tinha lhe saturado e já seria hora de parar. Deu-se conta que teria que voltar para casa de ônibus com suas roupas no estado deplorável em que se encontravam. Após uma manhã inteira de brincadeiras e arrecadação de dinheiro na sinaleira com os tênis retidos, nenhuma parte de seu corpo escapara da sujeira - uma mistura de tintas de várias cores, erva-mate, esmalte e até catchup e mostarda.

Tudo o que ela queria era não ser reconhecida no caminho até sua casa. Estava feliz por ter ingressado na faculdade, mas incomodada com sua apresentação e aparência. Percebeu que o trote não era assim tão divertido quanto idealizara antes de passar por ele e que tudo o que mais queria era poder chegar em casa, tomar seu banho, relaxar e colocar uma roupa limpa e confortável. Projetando mentalmente todo o trajeto e o esforço que teria que desprender para chegar em sua casa em Cachoeirinha, aborreceu-se. Teria que pegar dois ônibus, enfrentar as pessoas a olhando de cima a baixo, a analisando, rindo, comentando sobre o trote. Quanto aos estranhos, não se preocupava. Não queria mesmo era que algum conhecido a visse daquele jeito.

Quase delirava apenas ao imaginar sua cama quentinha. Absorta nesse pensamento, colocara de forma automática a bolsa no ombro após entregar aos veteranos os vinte e dois reais que arrecadara na sinaleira e receber seus tênis de volta. Não desejando, mas sem poder evitar, ouviu alguém chamar por seu nome. Resistiu em olhar e fingiu não ouvir, mas a voz era insistente. Para seu desespero, era a última pessoa no mundo que gostaria que a encontrasse naquela situação, naquela forma lastimável de apresentação, naquela imundice: Felipe.

- Letícia! Nossa, o que fizeram com você! Que bom que te encontrei...

Ela olhou para o rapaz assustada e receosa de que fosse realmente ele. Sem querer acreditar, viu Felipe em sua frente; Seu cérebro não queria admitir que aquilo estivesse acontecendo. Sim, era ele, Felipe. Sentiu que suas bochechas ficaram vermelhas de vergonha e suas mãos suarem incessantemente.

- Felipe? Você por aqui?!, disse num misto de surpresa e inconformidade.

Queria responder algo como “vá embora”, “não sou quem você está pensando”, “não te conheço”, mas não conseguir dizer mais nada: ficou muda, sem ação, perplexa. Ela estava horrível, feia, suada, nojenta, fedorenta, nada atraente para um pretendente a namorado. Queria morrer, mas simplesmente não tinha o que fazer.

- Oi querida. Vim te fazer uma surpresa. Sabia que hoje era o dia do teu trote e vim te buscar. Como eu iria deixar minha namorada voltar para casa de ônibus nesse estado? Achei que uma carona seria bem-vinda.

Ela estava nervosa demais com a situação, pensando na sua imundice, pensando em seu cabelo desajeitado, mas ouviu bem quando ele usou magicamente a palavra namorada. Namorada, namorada, namorada! – seu coração acelerou radiante. Ele estava, sim, se referindo a ela! Ele a chamara de namorada! Letícia pulou em seu pescoço, o abraçou, o beijou. Esqueceu o constrangimento com a roupa, com a sujeira, com a aparência e disse que aquela era uma surpresa maravilhosa, que era muito bom ele estar ali, que se sentia honrada em ser a namorada dele e em podê-lo chamá-lo de namorado também.

Não foi um pedido formal, não veio com um buquê de flores e um cartão como ela imaginava. Entretanto, foi a melhor surpresa que poderia lhe acontecer em meio àquela situação constrangedora em que Letícia se encontrava. Foi um dos dias mais marcantes de sua vida, o dia do trote do vestibular e o início do namoro com Felipe. Para completar, ganhara uma carona e não precisaria voltar para casa de ônibus.

(produzido na disciplina de Leitura e Produção de Texto, curso de Letras/ UFRGS, professora Susana de Azeredo)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Comentário da obra Uma Verdade Inconveniente

A obra Uma Verdade Inconveniente (2006), do norte-americano Al Gore, que inicialmente fez sucesso nos cinemas e conquistou o Oscar de melhor documentário em 2007, está disponível no Brasil também em livro, pela editora Manole. Levantando uma problemática eminente nos tempos modernos - as mudanças climáticas e o aquecimento global -, o livro desperta para a dita necessária conscientização em prol da sobrevivência humana. “O que vemos é uma colisão colossal, sem precedentes, entre a nossa civilização e o planeta Terra” (p.214).

O autor chama a atenção para fenômenos, antes incomuns e que hoje já atingem todos os pontos do mundo. “Em 2004 foi preciso reescrever os livros de ciência. Eles antes diziam: é impossível haver furacões no Atlântico Sul. Mas naquele ano, pela primeira vez, um furacão atingiu o Brasil” (p 84). Esta é apenas uma entre tantas outras evidências apresentadas no volume sobre a devastação da Terra. “Enquanto os oceanos ficam mais quentes, as tempestades ficam mais fortes. Em 2004, a Flórida foi atingida por quatro furacões extratropicais extraordinariamente violentos” (p 80). Além disso, “as grandes tempestades, tanto no Atlântico como no Pacífico, aumentaram em duração e intensidade, desde a década de 1970, em cerca de 50%” (p. 92).

Al Gore, político democrata e vice-presidente dos Estados Unidos entre 1993 e 2001 durante a administração de Bill Clinton, é engajado e reconhecido por sua atuação na luta pela preservação da natureza e do meio ambiente, o que culminou, em 2007, com o recebimento do Prêmio Nobel da Paz, durante o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU.

Apesar de contestada por muitos críticos e correntes de meteorologistas e cientistas que caracterizam a obra como “alarmista” e “sensacionalista”, ela traz dados, pesquisas e depoimentos que lhe conferem credibilidade, ratificando o conteúdo e a importância do tema. Mais do que simplesmente apresentar e esclarecer sobre a questão em termos científicos, o autor busca sensibilizar a humanidade não apenas para a reflexão, mas para mobilizações e atitudes concretas que possam reverter o quadro de profunda devastação e deterioração o qual a Terra estaria se encaminhando.

O autor aborda, nesse contexto, o egoísmo, a irracionalidade e a preocupação exclusiva com o lucro e o enriquecimento que dominam a consciência humana, sem que a população atente para o futuro dos próprios filhos e netos. “Para nós, o verde da ecologia traz o verde do dinheiro. Estamos em um período em que a melhora ambiental levará à lucratividade”, conforme depoimento de Jeffrey R.Immelt, presidente da General Electric (p 274), uma multinacional do ramo de tecnologia.

Com excelente apresentação visual, impressão e acabamento, o volume de 327 páginas utiliza recursos como imagens, mapas, fotos, gráficos e variadas fontes e tamanhos de letras que tornam a leitura atraente e aprazível. O discurso de Al Gore, agora ao alcance também em livro, é marcado pela ideia de que “chegou a nossa vez de entrar em ação e garantir o nosso futuro” (p. 300).

(texto publicado originalmente no jornal Correio do Povo de 09/03/2009, página 12)

segunda-feira, 30 de março de 2009

Me tornei uma árvore

Finalmente me tornei uma árvore. Todos passavam pela rua e não me notavam quando eu era apenas uma mudinha, plantada pela prefeitura nesse canteiro. Agora que cresci e me tornei realmente uma Figueira, frondosa, grande, imponente, saudável e toda verdinha, sou um atrativo: as famílias disputam a minha sombra aos finais de semana, trazem cadeiras e sentam com as crianças em frente ao rio. Os filhos correm e brincam por todos os lados neste calçadão, enquanto os pais tomam chimarrão e conversam, aproveitando a minha sombra. Os passarinhos constroem ninhos nos meus galhos, me deixando ainda mais feliz e satisfeita. Eu sou a casa desses animaizinhos, que cantam para me fazer dormir e me despertam todas as manhãs com uma suave melodia.

Sou privilegiada, pois fui plantada em um local de lazer, onde todos os dias de manhã cedo e nos finais de tarde há pessoas caminhando por aqui, desfrutando o arzinho fresco do rio e a sombra que eu e as outras proporcionamos. É muito bom crescer. Foram anos e anos como uma muda, décadas até eu me desenvolver, criar galhos grossos e compridos. Antes, todos passavam reto por mim e me ignoravam, como se eu não existisse e não tivesse serventia alguma. Ninguém percebia que eu estava aqui, que um dia me tornaria uma bela árvore que traria beleza e conforto a todos, além de purificar o ar.

Quando pequena, eu era visitada periodicamente por um técnico da prefeitura responsável pelo controle das Figueiras da cidade. Nós somos árvores centenárias e, por isso, recebíamos mais atenção das autoridades. O técnico olhava se eu tinha terra suficiente e às vezes colocava adubo pra eu crescer melhor. Sinceramente, eu ficava constrangida toda vez que ele chegava para me examinar. Me sentia vigiada, inspecionada, invadida. Ele era frio, não gostava de mim realmente, estava apenas cumprindo tarefas. Para ele, eu era apenas um número de árvore, não era um ser vivo, que precisava de atenção. Eu não precisava de alguém sem sentimentos e amor pelo que faz para cuidar de mim.

Hoje as coisas mudaram incrivelmente. Nos finais de semana há tanto movimento nesse calçadão e a disputa pela minha sombra é tanta que sequer consigo descansar. As crianças até sobem e brincam em cima de mim. Acho que o que faz uma árvore se sentir bem, ficar disposta e cheia de vida é ser amada e querida por aqueles que a cercam.

Ah, se os homens um dia pudessem me escutar... Diria a eles para lembrarem que nós, árvores e plantas, também temos sentimentos, precisamos de carinho e afeto.